DE CURITIBA A ANTONINA: DOIS ALEMÃES NOS TRILHOS

7 de setembro de 2013 por keyimaguirejunior

Primeiro de novembro de 1929…

Aproveitando o feriadão de Finados, dois alemães (suponho que de segunda geração) Hugo Hegenberg e Arthur Wischral – tomam o trem na Estação Ferroviária de Curitiba. Trata-se do antigo edifício à Praça Eufrásio Correa, hoje massacrado por um volumoso e hostil edifício, diante da amena e cordial Praça Eufrásio Correa.

Imagem      A Serra do Mar é transposta rapidamente e sem maiores considerações filosóficas,além da “monotonia das florestas brasileiras”, e menção às “alegres cachoeiras”, “tranqüilas florestas” e “gigantescas montanhas”.

Passam Porto de Cima e chegam a Morretes, onde têm interesse despertado pela Fábrica Paranaense de Papel – hoje abandonada – e a visitam, com autorização do proprietário Bergam. A matéria prima é o jasmim muito abundante na região, misturado com outros materiais – inclusive, reciclados. A mistura é cosida, as fibras são selecionadas, é prensada, seca, bobinada – e finalmente, cortada em folhas para comercialização.

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     Durante todo o percurso, o narrador não se preocupa muito com as coisas construídas – em compensação, o fotógrafo faz delas excepcional registro. Temos que considerar que o texto deve ter escrito com as fotos sobre a mesa – e pouco houve que acrescentar-lhes.

As coisas humanas, ao contrário, merecem referência mais constante, com uma senhora de 150 anos, cujo depoimento, infelizmente, é apenas mencionado. A pitoresca travessia na canoa de um garoto, das águas de um Nhundiaquara revolto pela chuva da véspera, pelas pessoas que vão à missa na outra margem. No dia seguinte, fará referência ao abastecimento de água das casas, feito a partir da fonte por “mulheres e meninas”.

Os 16 quilômetros até Antonina são percorridos a pé – façanha comum na época – sobre os trilhos. Iniciada às 9:00 horas da manhã, a caminhada é interrompida apenas para o almoço, um cardápio de “aveia, caldo de carne (?!), manteiga, chocolate e leite condensado”. (Sei de fonte segura que lanche de excursionistas, nessa época, constava de pão, xaxixo e bananas.)

O fotógrafo está atento, e registra não apenas paisagem natural – a floresta de contorno do Rio São João – como principalmente, a cultural: as taipas primitivas, em vários estados, casas de taquara e de tábuas, como a da senhora dos 150 anos.

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     O encontro com o Rio São João traz a preocupação com “crocodilos” (jacaré-de-papo-amarelo) então existentes, e uma sabiá. A chegada em Antonina é às 18:00 horas. Haviam sido despachadas camas-patente de Curitiba, mas são abrigados por amigos para a noite.

Na manhã seguinte, fazem passeio pelo porto. Aí, um visual excepcional, para nós desaparecido e que felizmente é registrado em várias fotos: muitos barcos com as velas desfraldadas, para secar da chuva da noite. Há um passeio, mas em barco a motor. Há ainda dois navios grandes, transatlânticos, um dos quais faz a linha Londres-Buenos Aires.

Não poderia faltar uma visita às instalações das Indústrias Matarazzo, inclusive à admirável casa da administração, no morro em frente, infelizmente não mostrada nas fotos – na verdade, o interesse se prende à vista panorâmica do porto.

O domingo – e as férias… – termina com o embarque no trem às 14:40, com chegada de volta a Curitiba às 18:30.

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    OBSERVAÇÕES

1 – o texto de Hegenberg não pretende além de uma narrativa de acompanhamento e ligação entre as imagens produzidas pelo amigo. Embora tenha feito, como relata, muitas vezes o referido percurso, acredito que a presença do fotógrafo com sua câmera o motivou a produzir o livro “Unterwegs im Paranaenser Littoral”.

     Produto artesanal, em que o texto foi escrito, com uma caligrafia precisa e elegante, sobre folhas de papel vegetal (ou similar da época) e as folhas usadas como negativo para cópias em papel fotográfico e, sobre elas, coladas as fotos em formato 8,5 X 13,5 (postal).

     O capricho produziu um documento de excepcional beleza e durabilidade, algo além de um “álbum de fotos de viagem”. Todas as páginas e fotos são emolduradas com traço preciso e uniforme (tiralinhas?), intercaladas com folhas de papel manteiga. Foi feita excelente encadernação em couro, com douração, e guardas em papel resistente com motivo de flores verdes e amarelas.

2 – Capricho que, de resto, é bem merecido pelas fotos de Arthur Wischral. Acredito que tenha sido usada uma câmera profissional para negativos de grande formato (talvez de vidro), com uma precisão de detalhes que nossos pixels, por mais que sejam, não atingem.

Unterwegs (6)

     O fotógrafo compõe sempre com sucessão de planos, resultando em sensação de profundidade, perspectivas de linhas marcadas e registros de luz, sombras e reflexos em composições impecáveis como equilíbrio.

3 – Grande parte da Arquitetura que se fez entre Curitiba e Antonina pode ser vista nessas fotos, desde o ecletismo discreto das estações ferroviárias mas, principalmente, as precárias casas feitas com materiais do ambiente – taquaras, bracatinga, cipós e outros. O interesse antropológico dessas moradias pode ser muito explorado.

4 – Este livro pede por um publicação urgente, com recursos gráficos modernos que reproduzam na integralidade sua forma e conteúdo – seguidos de evidente complementação de leitura e interpretação que assinalem sua contribuição.

5 – Minha cópia – não sei quantas serão, visto que não está numerada – me foi presenteada pela arquiteta Monica Mylla, quando minha aluna, em vista do interesse que sempre tive pelas formulações das arquiteturas regionais. Fica aqui meu agradecimento.

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6 – Finalmente, dedico este post ao insigne capelista Eduardo Bó – o único cidadão que, enquanto aguarda a volta do Matarazzo, inventa coisas tão excelentes quanto o Festival de Inverno de Antonina.